segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

O custo zero aumenta o preço?


Meus mais sinceros votos de feliz natal e próspero ano novo. As festas de final de ano trouxeram um componente novo nas nossas mesas e lares. O artigo “Veja dicas sobre como lidar com a discordância política entre amigos e familiares” (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/veja-dicas-sobre-como-lidar-com-a-discordancia-politica-entre-amigos-e-familiares.shtml, acessado em 16/12/2019) ilustra bem como a intolerância pode destruir uma festa familiar tão bonita como o Natal. Aqui no Brasil o Natal é comemorado como uma festa familiar pelos que não são católicos.

É importante refletirmos como chegamos neste estágio de intolerância. No livro “Sociedade Com Custo Marginal Zero”, o Jeremy Rifkin descreveu com muita propriedade as vantagens da abundância dos recursos gerados pelo custo marginal zero. Entretanto ele pouco ou nada falou sobre as desvantagens.

O universo digital das redes sociais, comércio eletrônico, transações eletrônicas, realidade aumentada, virtual, mista, humana etc. está em um claro ciclo de abundância, ou seja, custo marginal zero.  À primeira vista estamos falando de uma grande vantagem. Recursos abundantes para todos. Fim da era dos recursos escassos.

Antigamente no mundo da escassez de recursos, era muito caro o custo para criar um canal ou programa de televisão ou para publicar um jornal ou uma revista ou um artigo. A característica de custo elevado fez com que as pessoas tivessem pudessem acessar uns poucos canais de televisão ou jornais ou revistas ou artigos.

Em outras palavras, a característica de escassez fez com que as pessoas fossem obrigadas a conviver no seu dia-a-dia com as mídias sociais de conteúdo plural e antagônico. A moda era pluralismo nas redações. Muitos programas de televisão e rádio foram criados para serem polêmicos. As pessoas que interagiam com estes programas através do fax, telefone ou carta escutavam com atenção tanto as opiniões que elas concordaram, como as que elas discordavam.

“40% dos brasileiros disseram que se sentem mais confortáveis junto de pessoas que têm pensamentos similares.” (Brasileiros viram campeões da intolerância política, https://dcomercio.com.br/categoria/vida-e-estilo/brasileiros-viram-campeoes-da-intolerancia-politica).

“Com medo de outras pessoas que tem características diferentes, elas buscam por homogeneidade e se animam com a liberdade de acessar apenas informações que confirmem quem são, ou quem gostariam de ser.” (Mudança Radical, Michael A. Hogg, Scientific American Brasil, ano 18, número 201, página 64).

Para entender por que as pessoas estão buscando apenas conteúdos com os quais elas concordam é preciso avaliar o quadro amplo da abundância dos recursos digitais causado pelo custo marginal zero.

São tantas visões dissonantes sobre um mesmo assunto que é impossível determinar qual é a correta. Até pouco tempo atrás as pessoas gerenciavam um volume pequeno de dados e tiravam as suas conclusões. Era um ambiente direcionado pelo controle, transparência e previsibilidade. Todos buscavam um aumento da certeza das respostas. Era comum fazer plano de médio e longo prazo (acima de dois anos) para o desenvolvimento pessoal e empresarial.

A clareza simples da "verdade" do grupo permite que os membros saibam como devem pensar, sentir e se comportar. A ideologia simplificadora da verdade permite expulsar do grupo todos os que são de difícil gerenciamento (expressão elegante para dizer discordantes). É esta característica comportamental que reforça ciclicamente a postura de que as ideias divergentes são moralmente falidas e devem ser demonizadas e rejeitadas.

É muito fácil prosperar neste ambiente as teorias da conspiração, pois tudo fica resumido ao "nós os certos" contra os "eles os errados". A autoincerteza provocada pela abundância de recursos estimula a busca de grupos com identidade clara e transparente. O grupo é a única fonte de informações confiáveis no oceano da abundância.

O pensamento "gente como a gente" cresce com enorme aceleração na era da abundância dos recursos digitais. Este formato mental divide o mundo em grupos. Os membros da comunidade resolvem o seu problema de autoincerteza adotando a identidade do grupo como verdade absoluta. Estas pessoas buscam interações humanas no conceito gente como a gente.

As pessoas buscam fontes de informações (canais de televisão, estações de rádios, jornais, revistas, noticiosos, mídias sociais, podcasts etc.) que apresentam narrativas dos fatos concordantes com as suas verdades.

A abundância de recursos digitais permite que as pessoas encontrem grupos concordantes com a visão de uma forma muito fácil. Os grupos potencializam o viés da confirmação da autoincerteza. As pessoas querem estar cercadas de pessoas que pensam como elas para confirmar a sua identidade.

No viés da confirmação não existem verdades externas ao grupo. Também não existe a motivação para explorar com robustez e incorporar os pontos de vista alternativos. O problema da redução autoincerteza faz com que a identidade social do grupo seja a verdade absoluta da narrativa dos fatos. Em resumo, as pessoas buscam grupos de pensamento homogêneo para confirmar a sua identidade na era das incertezas.

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