Na
véspera do início dos jogos olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, o Brasil
resolveu bater o seu recorde de bloqueios de um mesmo App. Os motivos alegados
pelos juízes são cada vez mais bizarros. Desta vez o bloqueio não durou sequer
24 horas.
Foi afirmado que a operação,
com nome "Hashtag" monitorou os
suspeitos pela internet, via WhatsApp
e Telegram.
Existem
mistérios no caso. O que chama muita atenção é o foco apenas no WhatsApp. Foi
afirmado que é comum a interceptação telefônica flagrar um suspeito dizer ao
outro para tratarem determinado assunto no WhatsApp (Sem rastreio, WhatsApp 'dá
mais força para quem descumpre a lei', diz juíza, http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1793389-liberacao-do-whatsapp-da-mais-forca-para-quem-descumpre-a-lei-diz-juiza.shtml,
acessado em 21/07/2016). Será que o crime organizado brasileiro não usa o Skype
ou Telegram por exemplo? Será que não estamos diante do dilema da marca WhatsApp
que é algo comum no Brasil? (O dilema da marca ocorre quando uma marca é
confundida com o produto, ou seja, Gillete virou sinônimo de lamina de barbear,
Bombril de palha de aço, Xerox de fotocópia, WhatsApp é sinônimo de programa de
comunicação)
Como
a juíza pode afirmar que todas as comunicações futuras dos criminosos ocorrerão
através do WhatsApp? É uma conclusão realmente impressionante. Será que o
comando vermelho ou PCC ordenaram que só aceitam mensagens trocadas pelo WhatsApp?
Será que a juíza sabe que as vulnerabilidades do protocolo Signaling System nº
7 (SS7) permitem que os investigadores clonem o número telefônico alvo?
Existe
uma evidente fragilidade na solução proposta pela juíza brasileira para
combater o crime. A juíza afirmou que as operadoras de telecomunicações
brasileiras cooperam com a justiça nacional e facilitam a interceptação das
comunicações. Se isto é verdade então a justiça brasileira pode monitorar o
tráfego de dados dos celulares e ela quebrar a criptografia existente no App
WhatsApp.
No
Brasil o atraso impede que a democracia plena faça parte do cotidiano dos
brasileiros. Alguns depoimentos de juristas famosos mostram o tamanho do atraso
nacional. O WhatsApp não é um serviço oferecido no Brasil. Não existem ofertas
ou convites do WhatsApp para que os brasileiros instalem e usem o App. O WhatsApp
é um serviço com sede nos Estados Unidos que pode ser acessado por todas as
pessoas através de uma conexão de internet.
São
os brasileiros que estão indo virtualmente aos Estados Unidos para instalaram e
usarem o App. Na Internet existem milhões de serviços digitais que foram
desenvolvidos para serem ofertados apenas nos países onde os servidores estão
hospedados. No Brasil os internautas têm acesso a todos estes serviços
digitais. Isto não significa que estes empreendedores estão oferecendo estes
serviços para os brasileiros.
Ter
acesso no Brasil a um serviço através da Internet é muito diferente do que ter
um serviço ofertado no Brasil. Apenas quando a empresa WhatsApp que não é a
empresa Facebook estabelecer uma sede no território brasileiro e oferecer
serviços aos brasileiros é que os serviços oferecidos no Brasil pela WhatsApp
deverão seguir a lei brasileira. Enquanto a WhatsApp e outros milhões de
empresas decidem se vão estabelecer operação empresarial no Brasil a justiça
brasileira deve ter clareza no entendimento de que o mero fato de ser possível
o acesso a um serviço digital internacional no Brasil isto não significa que
este serviço esteja sendo ofertado aos brasileiros e, portanto, que os
fornecedores estejam sujeitos as leis brasileiras. Já passou da hora de
melhorar o entendimento da diferença que existe entre o acesso a um serviço
digital disponível através da Internet e a oferta de um serviço digital no
Brasil. Precisamos urgentemente superar o atraso intelectual.
Alguns
partidários do atraso intelectual buscam dourar a pílula do impacto do bloqueio
do WhatsApp executando uma matemática econômica simplificada. O artigo “Além de
tudo, poderia ter custado R$ 206 milhões à economia brasileira” (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2255,
acessado em 21/07/2016) é um exemplo clássico da simplificação que gera equívoco.
A causa da liberdade de expressão precisa ser sustentada pela retidão dos
argumentos. No artigo, foram estimadas as perdas financeiras do bloqueio do WhatsApp.
A solução adotada para calcular as perdas é bastante criativa, mas infelizmente
é falaciosa.
O
WhatsApp foi bloqueado, mas as pessoas tinham à sua disposição várias outras
ferramentas de comunicação como o Skype, Telegram, SMS e ligações de voz. Isto
significa que as perdas causadas pelo bloqueio do WhatsApp não estão
relacionadas com a impossibilidade de comunicação. As perdas estão relacionadas
com o custo da troca da ferramenta de comunicação. Por exemplo se a solução de
comunicação para o bloqueio do WhatsApp for uma chamada de voz de celular pré-pago,
o custo da comunicação sai do praticamente zero do WhatsApp para cerca de R$ 1 do
minuto de pré-pago de ligação local.
Vários
negócios ficam inviabilizados com esta estrutura de custos e serão encerrados
se este for o novo normal dos custos de comunicação. Quando olhamos o tamanho
das micros e pequenas empresas no emprego fica claro que se elas forem
inviabilizadas pelo bloqueio do WhatsApp o impacto no emprego nacional será
gigantesco. Desemprego em massa em um
país em recessão gera perdas de arrecadação e desequilíbrio fiscal. As perdas
potenciais podem superar 1% do PIB. É muita coisa para ser decidido isoladamente
por um juiz.