“A primeira refeição é vendida a R$ 4,99, sem
taxa de entrega. A partir da segunda refeição, o preço é R$ 9,99, também com
entrega grátis. "Cinco reais é o preço de um salgado. Como a gente vai competir
com isso? Como ter lucro e servir uma refeição decente a R$ 10, sem taxa de
entrega?", pergunta Alexandre Bassoli” (Como apps de entrega estão levando
pequenos restaurantes à falência, https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/02/08/como-apps-de-entrega-estao-levando-pequenos-restaurantes-a-falencia.htm, acessado em
18/02/2020).
Em
2018 eu participava de um grupo de gestores e constantemente recebia questões
sobre o futuro da administração no Brasil. Normalmente eu apresentava a visão
do futuro da administração através de um cenário onde a inteligência artificial
interpenetrava todos os processos operacionais e estratégicos das empresas.
Alguns
entendiam que o foco nas consequências geradas pelas tecnologias digitais era
exagerado e que a real discussão deveria ser sobre o propósito da indústria ou
do comércio ou da empresa. Eu entendia que tais conversas eram apenas desvio de
foco do problema real e encerrava minha participação neste momento.
Outros
gestores entendiam que o cenário apresentado era muito futurista para o Brasil e,
portanto, os desafios citados iriam demorar décadas para chegar por aqui. Um terceiro grupo acreditava que o cenário
era apenas para as grandes empresas e multinacionais e que nunca chegaria o
momento de a inteligência artificial gerar impactos nos pequenos
empreendimentos.
O
artigo “Como apps de entrega estão levando pequenos restaurantes à falência” (https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/02/08/como-apps-de-entrega-estao-levando-pequenos-restaurantes-a-falencia.htm) revelou que o cenário
projetado em 2018 chegou ao Brasil. Ele chegou para todos. Empresas de grande,
médio e pequeno porte.
“Donos de estabelecimentos afirmam que não têm
controle sobre a exibição de seus restaurantes nos apps e que a parceria não
gera lucro”
(As dificuldades de relacionamento entre restaurantes e apps de entrega, https://computerworld.com.br/2020/02/11/as-dificuldades-de-relacionamento-entre-restaurantes-e-apps-de-entrega/, acessado em 18/02/2020).
Muitos
donos de pequenos restaurantes estão reclamando que estão perdendo dinheiro
após entrarem no iFood. Para muitos as promoções do aplicativo estão
inviabilizando a operação comercial deles.
A
grande questão que todos nós devemos fazer neste momento é se o objetivo do
aplicativo iFood é vender comida pronta ou é criar um gigantesco banco de dados
sobre os hábitos e comportamentos alimentares dos brasileiros?
“O franqueado de uma grande rede de fast-food,
que não quis se identificar, afirmou que o aplicativo faz promoções em que
oferece desconto de 50% sobre o preço do milk shake, por exemplo. "O
aplicativo me paga o preço cheio do produto, mas vende pela metade", diz o
franqueado. Neste caso, porém, o restaurante não tem prejuízo —embora a venda
na sua loja física seja canibalizada, já que o cliente vai optar pelo
aplicativo”
(Como apps de entrega estão levando pequenos restaurantes à falência, https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/02/08/como-apps-de-entrega-estao-levando-pequenos-restaurantes-a-falencia.htm).
A
resposta desta pergunta é bastante óbvia. Basta ver as promoções do aplicativo
para perceber que em diversos casos o iFood está subsidiando o seu cliente, ou
seja, ela paga o valor cheio da comida para o restaurante e faz a venda para o
cliente por um valor bem menor.
O
real objetivo da plataforma é construir um banco de dados poderoso sobre os
hábitos e comportamentos alimentares dos brasileiros. A venda de comida pronta
é apenas um instrumento para alcançar este objetivo.
O
que o iFood pretende fazer com estas informações? A empresa tem como meta a
formação de um ecossistema onde ela é o sol e os planetas gravitam ao redor
dela.
Para
tal ele criou o seguinte moto contínuo. Um bom aplicativo atrai usuários.
Usuários geram dados. Dados melhoram o aplicativo. E assim sucessivamente.
O
que o iFood pode gerar com este gigantesco volume de informações. Ele pode por
exemplo vender informações para os restaurantes. Por exemplo, para esta quarta-feira
é melhor oferecer um jantar do que o almoço.
A
empresa iFood tem atualmente uma infinidade de dados sobre o consumo de comida
pronta. Ela pode relacionar estes dados com os perfis das redes sociais, com o
clima local, com datas especiais como aniversários, com dietas especiais etc.
Com
os relacionamentos prontos o iFood pode vender informações para que os
supermercados e os gigantes da alimentação como a Nestlé promovam os seus
produtos em função dos hábitos e comportamentos alimentares das pessoas.
O
iFood poderá entrar nas profundezas da cadeia produtiva e trabalhar com o
sistema de logística para que o transporte de alimentos seja otimizado. Em
outras palavras chegará no comércio local os alimentos que os consumidores
desejam comprar em função do clima ou de outros fatores.
O
iFood poderá interagir com as pessoas informando quantas calorias foram
ingeridas e qual a refeição mais gostosa que a pessoa pode fazer com o seu
saldo calórico.
Ele
também pode atuar junto aos planos de saúde para ajudar nos programas de
alimentação saudável e oferecer descontos para os beneficiários dos planos em
função do cumprimento de metas. Em relação as academias e clubes pode ser
oferecido um pacote de informações de alto valor agregado para as pessoas. Em
função da quantidade de calorias consumidas no dia, o instrutor faz um plano de
exercícios personalizado.
Na
realidade existem milhares de situações onde as informações do banco de dados
do iFood podem ser utilizadas para otimizar os processos de negócio dos membros
do ecossistema.
Imagine
a situação onde uma empresa iniciante criou um alimento que fornece a
necessidade de cálcio para as pessoas acima de 50 anos. Com a base de dados do iFood
esta empresa pode oferecer uma amostra do seu produto para o seu público alvo.
É um custo muito menor do que fazer propaganda.
Todas
estas oportunidades são geradas pela inteligência artificial do sistema. Isto
significa que o iFood precisa entregar a comida em excelente estado. O grande
desafio da administração moderna é como gerenciar um sistema onde algumas
variáveis estão fora do domínio de controle da gestão.
A
entrega da comida é feita por entregadores que não são funcionários do iFood. O
objetivo dos entregadores é fazer o máximo número de entregas em um dia ao
menor custo possível. Para eles se o queijo da pizza ficou em um lado só, isto
não é problema deles. Ele entregou a pizza dentro do prazo combinado.
A administração do presente exige que os administradores
encontrem soluções para os problemas que estão fora do seu domínio de poder.
São os administradores que vão interagir com os clientes quando a pizza
entregue não estiver em excelente estado.
É
apenas um caso entre milhares onde existem desafios enormes que precisam ser
enfrentados para que a venda de informações seja viável.
Para que o aplicativo iFood seja bom é preciso que a
entrega da comida seja perfeita. Apenas desta forma o usuário será atraído e o moto
contínuo será criado.
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