segunda-feira, 25 de março de 2024

Falta de capital intelectual

Em diversas postagens, foram postadas no blog explicações sobre o custo da falta de capital intelectual no Brasil.

 

Em recente debate sobre o impacto da tecnologia no agronegócio, o meu interlocutor saiu com esta perola da sabedoria rasa: “nós vendemos soja para a China e compramos tecnologia para o campo e está tudo certo porque o crescimento do PIB do agronegócio é significativo nos últimos anos”.

 

A análise rasa de um fenômeno tem o grave problema de desconsiderar diversos componentes do sistema e de gerar um resultado falacioso.

 

É plena verdade que o PIB do agronegócio vem crescendo significativamente nos últimos anos e que uma boa parte deste crescimento vem do uso de tecnologias que aumentaram fortemente a produtividade do campo.

 

O problema (que aliás não é novidade) é o fato de toda a tecnologia de equipamentos e inteligência artificial ser importada. O resultado disto é uma falta de engenharia nacional no setor e de empresas de equipamentos que produzam usando tecnologia brasileira.

 

O artigo “Agricultura familiar precisa ser mecanizada” (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/03/agricultura-familiar-precisa-ser-mecanizada.shtml, acessado em 25/03/2024) revelou as dificuldades da mecanização da agricultura familiar brasileira.

 

Os grandes fabricantes transnacionais não têm interesse em produzir soluções para plantações de porte menor e o único fabricante nacional no setor de tratores tem participação insignificante no mercado.

 

Este cenário impede que a agricultura familiar conquiste ganhos de produtividade com a mecanização e inteligência artificial.

 

Como cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil vem da agricultura familiar, isto significa que os alimentos básicos têm um custo muito maior que o necessário (ou seja, é um dos motivos da insegurança alimentar no Brasil).

 

Os autores do artigo falam apenas da mecanização como ferramenta de aumento da produtividade, no entanto, a inteligência artificial é capaz de resultar em ganhos de produtividade espetaculares para a agricultura familiar nacional, basta o país sair do marasmo e investir com seriedade no desenvolvimento da engenharia nacional.

 

As gigantes transacionais vão continuar com o seu foco nos alimentos negociados em grandes volumes nas bolsas e dificilmente irão investir no desenvolvimento de tecnologias para a agricultura familiar.

 

As análises rasas levam para erros colossais e custos na estratosfera. Quem sabe um dia o gigante que dorme em berço esplêndido acorde.

 

Um outro caso de falta de capital intelectual são os apagões na cidade de São Paulo.

 

A ruptura de cabo de energia deveria afetar apenas o local atendido pela rede elétrica e solução trivial seria a reconstrução da fiação.

 

Para reconstruir é preciso ter a fiação reserva e um mapa detalhado do cabeamento com características físicas dele.

 

A falta destes componentes impede a recuperação da energia do local atendido pela rede elétrica.

 

No entanto, o agravamento do problema com aumento da rede atingida pelo apagão indica a adoção de uma solução inapropriada para resolver o problema e a dificuldade da operadora de informar uma previsão para a normalização da energia revela que estão batendo cabeça contra o problema.

 

Passa a impressão de solução na linha tentativa e erro, sem uma abordagem estruturada para resolver o problema.

 

O impacto econômico da falta de energia no comercio e residências é de elevada monta, pois a falta de energia prolongada e sem previsão de retorno está inviabilizando diversos empreendimentos e em breve teremos demissões e calotes.

 

Foi revelado que o prejuízo total ainda não foi calculado, mas as estimativas iniciais são graves (SP: Prejuízo de apagão 'chega à casa do milhão', diz federação do comércio, https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/03/22/prejuizo-de-apagao-em-sp-chega-a-casa-do-milhao-diz-federacao-do-comercio.htm).

 

As perdas causadas pela falta de capital intelectual da operadora são gigantescas e aumentam a cada dia em que uma solução definitiva não é entregue.

 

A falta de previsibilidade gera a insegurança dos donos dos negócios e pode gerar consequências catastróficas, como por exemplo a necessidade e obter empréstimos bancários para pagar os prejuízos e a falta de recursos para pagar estes empréstimos.

 

Está sendo gerada uma espiral crescente de perdas que pode impactar todos os membros de uma cadeia produtiva longa.

 

Mais uma vez, a ausência da engenharia cobra um preço alto.

 

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