quarta-feira, 22 de abril de 2015

Terceirizações

Apesar de já ter escrito sobre terceirizações em diversos momentos, muitos estão perguntando o que eu acho sobre o projeto de lei (PL 4330) que estabelece um novo entendimento sobre as terceirizações no Brasil. Eu entendo que o atual projeto de lei teria sido muito útil no Brasil de 1990. Como estamos em 2015, a proposta é mais uma perda de tempo da sociedade brasileira. Após a votação do projeto que está caminhando cada vez mais para o “nós contra eles”, teremos um lado vencedor e um perdedor. Provavelmente, o Brasil vai passar décadas discutindo a lei das terceirizações. Mais uma vez reforço que em 1990 o PL poderia ter sido útil, no entanto em 2015 ele é inútil e ultrapassado.

O Brasil deve focar os seus parcos esforços em discutir porque o crescimento do PIB é tão pífio. Não existem recursos para discutir inutilidades. Para os que não perceberam o mundo mudou para o modelo “como um serviço” graças a economia dos aplicativos. O sentido de discutir terceirizações na área fim de uma empresa é nulo. Infelizmente muitos despreparados estão com voz ativa no debate do projeto de lei e estão propagando falácias como benefícios da lei da terceirização (“A terceirização gera empregos ou precariza relações de trabalho?”, http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/04/150413_terceirizacao_entenda_ru, acessado em 22/04/15). Porque o nível de emprego aumentaria? Se os graves problemas da economia brasileira não forem resolvidos o país não cresce. Transferir empregos da empresa para a empresa terceirizadora não altera o nível de emprego.

Os problemas educacionais que travam a produtividade da economia não serão resolvidos com a terceirização. Em outras palavras, a proposta do projeto de lei não é capaz de mudar o nível de emprego. Nem para cima, nem para baixo. A redução de custo propagandeada por alguns é bastante questionável. O avanço da competividade sugerido pelos defensores da lei foge de qualquer análise logica. O Brasil não é competitivo no exterior porque os produtos e serviços apresentam qualidade e qualificação bem abaixo da chinesa por exemplo. O mesmo acontece no mercado interno. A China derrotou o Brasil dentro e fora do país porque foi capaz de realizar uma engenharia capacitada. O Brasil perdeu mercados pela destruição da engenharia nacional. Não é o custo do trabalho o problema. Isto significa que a lei das terceirizações não vai resolver este problema. É só mais uma falácia contada pelos que desconhecem a realidade brasileira.

Não é difícil identificar os que desconhecem a realidade e afirmam que a lei das terceirizações resolvem os problemas. O respeitável colunista Samuel Pessôa publicou o artigo “A lei da terceirização é positiva” no jornal folha de São Paulo em 19 de abril de 2015 (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/216567-a-lei-da-terceirizacao-e-positiva.shtml, acessado em 22/04/15). No artigo ele afirmou: “O projeto de lei 4.330 tem por objetivo permitir que empresas especializadas em colheita e outras especializadas na aplicação de inseticidas, e assim sucessivamente, possam ser criadas.”. Ele estabeleceu uma série de relações negativas para a economia brasileira em função da atual impossibilidade de existir uma empresa que aplique inseticida como um serviço.

Infelizmente os problemas e respectivos benefícios da lei das terceirizações citados não são corroborados pela realidade nacional. Ele afirmou que um agricultor não pode atualmente contratar uma empresa especializada na aplicação de inseticida porque o arcabouço legal não permite e apenas com a nova lei isto será possível e a economia vai ganhar.

O mesmo jornal folha de São Paulo publicou em 2011 o artigo Citricultores de SP rateiam custos com pulverização (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2607201119.htm, acessado em 22/04/15) revelando que os agricultores contrataram pulverização como um serviço sem ferir a legislação trabalhista vigente (O texto do artigo era: “Os citricultores da região de Araraquara e São Carlos, a de maior incidência do greening em São Paulo, estão formando "consórcios" para ratear os custos do combate à doença, que provoca perda da qualidade da fruta.”). Em outras palavras os ganhos de produtividade alegados como benefícios pela lei das terceirizações já estão presentes na economia nacional.

Todos os outros casos citados pelo articulista são possíveis no arcabouço legal atual e alguns deles como o caso das colheitadeiras e pulverizações já existem. O mundo como um serviço é parte integrante da realidade brasileira. Isto significa que os casos inexistentes não são consequência de restrições legais, mas sim de um ambiente que inviabiliza este tipo de empreendimento. Apesar das inconsistências com a realidade nacional, o texto aponta para um ponto crucial da falta de competividade nacional e que deveria ser alvo de análise por articulistas respeitáveis como o Samuel. Ele apontou no texto citar as dificuldades do uso compartilhado de recursos. A raiz do crescimento dos EUA pós crise de 2008 é a “sharing economy” ou economia do compartilhamento. Em vez de perder tempo com um projeto de lei ultrapassado seria melhor resolver as barreiras existentes para o compartilhamento.

Isto sim traria os benefícios propagandeados pelos defensores da lei da terceirização. A questão da falta de competividade pela ausência de engenharia pode ser facilmente percebida na produção da Apple no Brasil. Apesar de todas as desonerações, incentivos e etc. (Brasil terá smartphone até 25% mais barato no fim do ano, diz ministro, http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/09/brasil-tera-smartphone-ate-25-mais-barato-no-fim-do-ano-diz-ministro.html, acessado em 22/04/15) o iPhone 6 mais caro do mundo é produzido no Brasil (Brasil tem o iPhone 6 mais caro do mundo, aponta pesquisa, http://computerworld.com.br/brasil-tem-o-iphone-6-mais-caro-do-mundo-aponta-pesquisa, acessado em 22/04/15). Como o custo da mão de obra é muito mais caro na Alemanha, França, Estados Unidos e etc. que no Brasil fica claro que o problema de custo elevado não é resultado do custo da mão de obra. Ou seja, mais uma vez os fatos provam que o problema da competitividade não será resolvido com a lei da terceirização. Ela simplesmente não produz este benefício alegado pelos especialistas.

A maior demonstração de falta de conhecimento da realidade está no artigo “A terceirização gera empregos ou precariza relações de trabalho?” (“Tanto Peluso quanto Salvato acreditam que a possibilidade de as empresas terceirizarem suas atividades pode ajudá-las a se tornar mais eficientes. Segundo eles, isso seria verdade tanto para a terceirização das atividades-meio - por exemplo, a segurança, a limpeza e os serviços de TI - quanto das atividades-fim.”). Os especialistas consideraram os serviços de TI como área meio dos negócios. Neste ponto reside o maior problema e solução dos desafios nacionais. O artigo “Gartner diz que, agora, 'todas as empresas são empresas de tecnologia'” (http://idgnow.com.br/ti-corporativa/2013/12/19/gartner-diz-que-agora-todas-as-empresas-sao-companhias-de-tecnologia/, acessado em 22/04/15) e “Gartner: nenhuma indústria passará ilesa à revolução digital” (http://computerworld.com.br/gartner-nenhuma-industria-passara-ilesa-revolucao-digital, acessado em 22/04/15) revelam os serviços de TI são área fim de todas as empresas. Claramente, a terceirização de TI em nada contribuiu para o avanço das empresas brasileiras nos últimos anos. Desde o nascimento da era dos aplicativos na década passada praticamente nada foi conquistado pelos empreendimentos nacionais em termos de mercado mundial. A falta de engenharia é o fator chave do problema produtividade.

Eu não sou contra a terceirização. Ela pode ser um enorme aliado para trabalhadores e empresários. No entanto, o PL 4330 é só uma lei do atraso. O Brasil está perdendo um tempo precioso ao discutir algo que deveria ter sido analisado em 1990. Em 2015 estas conversas são inúteis. Espero que o congresso acorde e olhe em que ano estamos. Não é preciso ser nenhum Einstein para perceber que existem falhas elementares e graves em todos os negócios do Brasil. Se um décimo da energia gasta na lei das terceirizações fosse gasto na eliminação de erros básicos o país sairia rapidamente do drama do pibinho

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