quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

De novo! A mentira vende?


No passado já escrevi sobre este assunto. Infelizmente o texto foi incapaz de produzir uma mudança comportamental. A mentira continua sendo uma ferramenta utilizada para vender no Brasil. Não é à toa que a produtividade do brasileiro é tão baixa. Muito tempo e dinheiro é gasto em mentiras. Praticamente nenhum tempo e dinheiro é investido na evolução dos produtos e serviços nacionais.

Nas economias modernas, as empresas ineficientes desaparecem e nas economias atrasadas, as empresas improdutivas sobrevivem através privilégios especiais (Feudos, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2019/11/feudos.shtml?origin=folha, acessado em 04/12/2019).

O artigo Os herdeiros podem esperar (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marciadessen/2019/11/os-herdeiros-podem-esperar.shtml) revelou mais uma faceta dos mercadores de falácias. A autora Marcia Dessen fez a seguinte afirmação: “Vamos aos fatos: parte dos argumentos do gerente é verdadeira, entretanto ele se esqueceu de mencionar que ela trocaria os custos do inventário, que haverá, em razão do imóvel que possui, pelo ainda elevado custo de investir em VGBL (1% ao ano) mais o Imposto de Renda sobre os rendimentos que atualmente são isentos, na poupança.”.

É interessante perceber que um gerente de um banco (em geral os gerentes são profissionais certificados CPA-10 pela ANBIMA) O código de ética da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais prega a observância dos princípios da probidade e da boa-fé. O gerente que esqueceu de mencionar a troca de custos está sendo transparente com o seu cliente? O esquecimento foi um lapso de memória ou foi proposital para facilitar a venda dos produtos de previdência privada?

Eu já fui atacado em diversos momentos pelos mercadores de falácias. Um dia recebi um e-mail da gerente de investimentos do banco afirmando que estou perdendo muito dinheiro com a minha carteira de aplicações. Ela apresentou na correspondência a proposta de um fundo de previdência privada que iria render no futuro muito mais que a minha carteira de aplicações (observe que ela falou muito mais não apenas mais). Para provar a maravilhosa oferta dela ela anexou um comparativo do rendimento passado da minha carteira e do fundo proposto.

A comparação era um grande uau. Mais de 100% de diferença. Diante de números tão espetaculares eu resolvi pesquisar os rendimentos passados do fundo proposto e calculei o resultado. Após entrar cuidadosamente todos os números no Excel eu não encontrei o valor de rendimento afirmado pela gerente. Fiz e refiz as contas umas três vezes e nada. O resultado era sempre o mesmo. Muito menor do que o afirmado.

Como um gerente certificado não mente, eu resolvi agendar uma reunião para ver como ela chegou no resultado. Quando ela mostrou a planilha de cálculo dela eu fiquei espantado. Ela usou um longo período do passado e calculou o porcentual do rendimento total usando juros simples.

Quando mostrei a minha planilha usando juros compostos ela respondeu que estava sem tempo quando enviou o e-mail e por isto ela fez um cálculo mais simples que se aproximava do resultado real. O problema do cálculo simples que a gerente fez, é que ele invertia o retorno do investimento. A minha carteira de aplicações que tinha na realidade maior retorno ficou convenientemente com rendimento menor do que o fundo de previdência que ela queria me vender. Foi uma aproximação muito interessante.

Ela perdeu o negócio. O banco perdeu o cliente. A comunicação do banco com o cliente deve ser precisa e robustas. Aproximações são inaceitáveis. Melhor não falar nada do que apresentar uma informação incorreta. A pessoa que recebe a informação pode resolver verificar os números apresentados. Erros em situações sensíveis acabam com a credibilidade do banco.

Algumas empresas da área de eventos de tecnologia também acreditam que a mentira vende. Estou cansado ver eventos sendo batizados de Summit ou Expo ou Jornada para fazer com que as pessoas enxerguem uma grandiosidade inexistente. O conteúdo ofertado é muito pobre.

Os mercadores afirmam que todos os convites foram vendidos. Em geral, o público presente pagante é mínimo. De nada adianta tentar disfarçar a grandeza do evento. As pessoas percebem facilmente os disfarces utilizados e desistem de fazer negócio.

É interessante observar o antagonismo das verdades afirmadas nos dois artigos seguintes sobre o Black Friday de 2019. “Ninguém arrasou mais nesta Black Friday que a Magalu de Fred Trajano. E é por isso que a empresa dele vale o que vale e sobe o que sobe na Bolsa de Valores.” (fonte: Lições da Black Friday, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nizanguanaes/2019/12/licoes-da-black-friday.shtml?origin=folha) x “Já a Magazine Luiza, que investiu três vezes mais em marketing neste ano, adotou uma estratégia digital arrojada e comprou espaço na TV com apresentação de Luciano Huck, apresentou queda de 0,24%. Apesar disso, a marca informa “crescimento muito acima do mercado” nas vendas e 14 milhões de usuários ativos em seu aplicativo.” (fonte: Black Friday supera projeção e valoriza varejistas na Bolsa, https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/12/black-friday-supera-projecao-e-valoriza-varejistas-na-bolsa.shtml).

Na quinta feira antes do Black Friday dia 28/11/2019 as ações da Magalu fecharam em R$ 45,60. Na segunda feira depois do Black Friday dia 02/12/2019 as ações fecharam em R$ 44,92.

A afirmação do Fabio Mariano: “Brasileiros são os campeões em fake. Há um prazer em enganar o consumidor no Brasil” (O dia que entendi que para as classes D e E não há Customer Experience, https://www.itforum365.com.br/colunas/o-dia-que-entendi-que-para-as-classes-d-e-e-nao-ha-customer-experience/) reflete com gigantesca precisão o que acontece no Brasil. Não é de graça que a produtividade do trabalhador brasileiro seja tão menor que a do americano. Apesar de largamente utilizada, a mentira não vende. Ela afasta o cliente do seu negócio.

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