Golpe da festa no WhatsApp

Eu faço parte de um pequeno grupo de pessoas que defendem fervorosamente o ensino da lógica de programação nas escolas em todos os níveis de escolaridade. Não devemos confundir lógica de programação com linguagem de programação.

É fácil perceber que no caso do Brasil estamos perdendo fragorosamente este debate. Apenas umas poucas escolas realmente ensinam lógica de programação para os seus alunos. Em geral são as escolas dos ricos.

Muitos alegam que é um assunto técnico que não desperta o interesse dos alunos das ciências humanas e biológicas. Eles entendem que lógica de programação deve ser ensinado para os que forem trabalhar com programação de computadores. A confusão que existe entre lógica de programação e linguagem de programação é ainda muito grande no Brasil.

Infelizmente o preço da ignorância em relação ao assunto chegou com muita força. O caso citado no artigo “Como caí no golpe que sequestra a conta do WhatsApp para extorquir dinheiro dos contatos” (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/01/como-cai-no-golpe-que-sequestra-a-conta-do-whatsapp-para-extorquir-dinheiro-dos-contatos-telefonicos.shtml?utm_source, acessado em 15/01/2020) revelou em detalhes como a falta de educação em termos do raciocínio lógico está prejudicando o cotidiano diário do brasileiro.

É muito importante destacar neste momento que o golpe da festa no WhatsApp é praticado em um formato ridiculamente trivial. É um golpe tão elementar que nunca deveria ser bem-sucedido. Então a pergunta que não quer calar é como ele está alcançando tanto sucesso?

O primeiro resultado do aprendizado da lógica de programação por um aluno é a introdução na sua vida da necessidade de ler e entender as mensagens recebidas antes de tomar as decisões. É algo óbvio, mas que raramente é feito aqui no Brasil.

O segundo resultado é a presença da lógica no pensamento das pessoas. Será que têm lógica receber um convite para uma festa desta pessoa? Qual será a intenção do convite? Quais são os riscos envolvidos? É preciso ponderar diversos aspectos antes de fornecer qualquer tipo de informação por telefone.

Veja o caso citado: “O Marcos Nogueira conheceu o chef Henrique Fogaça em uma viagem”. Quantas vezes ele conversou pessoalmente com o Fogaça antes do convite para a festa? Se a resposta for nenhuma vez então será que tem lógica receber o convite?

O segundo e mais grave problema de lógica vem da frase: "Para confirmar sua presença, é preciso que o senhor repita o código que eu acabei de lhe enviar para o celular”, Ele está falando no telefone com o assessor do Fogaça, então qual o sentido em informar um código enviado por SMS? Assumindo que a ligação foi para o telefone fixo do trabalho do Nogueira então é óbvio que era ele na linha. Qual o sentido lógico em enviar um código para o celular neste caso? Se a ligação foi para o celular do Nogueira então é pior ainda. Ele já está falando no celular e o SMS vai chegar no celular que ele está falando. Qual sentido tem o envio deste SMS?

Em qualquer cenário a solicitação de ler um código enviado por SMS é desprovida de qualquer lógica. Se fosse de verdade ela seria inútil. A única explicação plausível para a existência dela é que ela é de mentira.

O Marcelo Nogueira é um jornalista inteligente, ele não é trouxa e nem analfabeto, então o que explica ele ter caído num golpe tão elementar quanto este? O que explica a quantidade de pessoas que caíram no golpe da festa?

A ausência de um treinamento focado no aprendizado da lógica explica como pessoas inteligentes bem informadas e sucedidas caíram em um golpe trivial. A lógica da programação enraíza na mente das pessoas a necessidade de ler e entender as mensagens recebidas antes de tomar as decisões. É só ler o SMS recebido para perceber que não é um código para confirmar a presença em uma festa.

É só pensar por trinta segundos para perceber que a solicitação de ler um código recebido para confirmar presença não tem lógica alguma. É só pensar em quantos encontros ocorreram após à apresentação inicial para perceber que inexiste sentido em receber convite de uma pessoa completamente fora da nossa rede de relacionamento profissional.

A falta de pensamento lógico e estrutura é também vista na seguinte afirmação:"

Não consigo recuperar a conta sequestrada. Os bandidos deram um jeito de bloquear o meu acesso usando senhas erradas para alertar o servidor de uma possível invasão". Se a pessoa deu o seu código do WhatsApp de forma voluntária e sem coação física ou mental então a conta é deles agora. Logo a  senha do Nogueira deixará de funcionar. Eles não são invasores.

É fácil perceber a ausência do pensamento lógico em todo o processo. Quando o Marcelo Nogueira falou que atendeu uma segunda ligação que era claramente uma fraude e ouviu atentamente o seu atacador isto significa que o tempo dele não é importante. O que obviamente não é verdade. Tempo é dinheiro.

A ausência do pensamento lógico e racional no cotidiano das pessoas está gerando grandes perdas monetárias e de confiabilidade. Com a transformação digital este processo está apenas no começo. Muito mais vem por aí. Mais cedo ou mais tarde os golpes deixarão de ser primários. Em breve eles serão mais bem elaborados e mais inteligentes.

É preciso mudar a realidade intelectual brasileira. Todos precisam desenvolver o raciocínio lógico. Espero que um dia os educadores entendam as consequências das suas decisões.