No
primeiro trimestre de 2017 eu participei de diversas reuniões com empresários e
executivos brasileiros sobre transformação digital. Eu fui surpreendido pelo
nível superficial que o assunto está sendo tratado nas organizações no Brasil.
Para a grande maioria das pessoas com quem eu conversei a transformação digital
significa equipar a empresa com notebooks, tablets e smartphones (em vários
casos as empresas planejam a sua transformação digital pela mera substituição
dos desktops por estes dispositivos) e criar Apps, bancos de dados e big data.
Basicamente
estas corporações estão realizando a consagrada e fracassada prática brasileira
de fazer mudanças para que nada mude. Sempre que este fenômeno ocorreu as
pessoas afirmavam que a tecnologia utilizada não funcionava na cultura da
empresa. Temos centenas de exemplos de soluções que não funcionaram nas
empresas brasileiras. Nestes casos as diversas tecnologias bem-sucedidas no
exterior ficaram desacreditadas aqui no Brasil. Parece que a transformação
digital nacional entrou na estrada do fracasso.
Quando
os estrategistas dos negócios pensam que o mero investimento em hardware e
software é condição necessária e suficiente para a transformação digital eles
reduzem o assunto ao famoso mais do mesmo, ou seja, mudar para que ficar igual.
A tecnologia não é a protagonista da transformação digital. Este papel é
reservado para a qualificação dos funcionários.
O
primeiro passo para a transformação digital é a redefinição do escopo do
negócio. É uma decisão que responde a uma necessidade do ambiente de negócios.
A estratégia em uso no Brasil de focar a transformação digital em ativos de
tecnologia não tem sentido prático. Simplesmente inexiste razão e relação
positiva entre o benefício e o custo para empreender tantas mudanças na empresa
se o escopo do negócio é o mesmo.
O
caso da divisão de iluminação da Philips ilustra bem este fenômeno. A empresa é
uma das maiores fabricantes mundiais de lâmpadas elétricas. No início eram
lâmpadas de filamento que duravam alguns meses (na escola um professor meu
afirmava que o vácuo das lâmpadas era imperfeito para que elas queimassem
rapidamente). Na segunda fase vieram as lâmpadas fluorescentes que duravam
cerca de um ano e na terceira fase da indústria vieram as lâmpadas de led que
duram vários anos.
A
Philips percebeu que tinha um grave problema no médio e longo prazo pois a
elevada durabilidade das suas lâmpadas de led irá reduzir no futuro próximo
demanda mundial por lâmpadas. No primeiro movimento desta percepção a empresa resolveu
agregar valor as suas lâmpadas led adicionando funcionalidades como novas
cores, sensores de calor e de fumaça, câmeras de vídeo e etc. Como a solução
proposta de maior valor agregado não resolve o problema de redução futura do
consumo por causa da elevada durabilidade do produto, a Philips resolveu fazer
um segundo movimento que neste caso foi na direção da transformação digital.
A
organização percebeu que os seus clientes não querem comprar lâmpadas. Eles
querem comprar um sistema de iluminação que funcione. Shoppings, aeroportos,
edifícios comerciais e etc. querem pagar para ter iluminação. A Philips
percebeu que ela precisava redefinir o escopo do seu negócio de fabricante de
lâmpadas para fornecedora de um sistema de iluminação como um serviço. Esta
mudança desmaterializou os seus produtos e permitiu a sua digitalização.
Ela
continua atuando como fabricante de lâmpadas mantendo assim todo o seu legado
de conhecimento e ativos e virou uma operadora de sistema de iluminação como um
serviço. É evidente que fabricantes de automóveis, moveis e etc. podem trilhar
caminho similar ao da Philips. Com a mudança no escopo do negócio a empresa
executou o primeiro dos cinco passos para a transformação digital.
O
segundo passo para a transformação digital é encontrar as fontes de valor
agregado para o negócio que estão escondidas pelo modelo analógico de negócio.
A Philips encontrou um grande mercado que ela pode explorar como o modelo
sistema de iluminação como um serviço. Ela transformou a receita incerta de
vender lâmpadas para a receita certa e recorrente de vender serviços de
iluminação para hospitais, aeroportos, shoppings e etc. As receitas futuras
foram antecipadas com a desmaterialização dos produtos.
O
terceiro passo para a transformação digital é a construção de um modelo de
negócio baseado no custo totalmente variável pelo compartilhamento dos ativos e
na repartição do lucro gerado pelas operações entre todos os integrantes da
rede. Em outras palavras, as infraestruturas individuais de cada um dos
integrantes da rede são compartilhadas entre os membros da cadeia de valor e o
lucro gerado pela operação comercial é repartido. É um modelo que oferece
grande flexibilidade e escalabilidade, reduz custos, volatilidades e riscos e
maximiza o retorno do investimento nos ativos.
A
Philips vem trabalhando com a sua cadeia de valor para que os sistemas de
iluminação como um serviço sejam entregues na situação de endereçamento das
necessidades dos clientes. A rede construída com empresas de todos os tamanhos
permite que clientes de todos os portes e locais sejam atendidos adequadamente.
O monitoramento integrado, descentralizado e remoto do sistema de iluminação
permite que todos os membros da cadeia saibam quando devem atuar e o que devem
realizar.
A
estrutura em rede permite o crescimento em velocidade exponencial da operação
sem que exista o comprometimento da viabilidade econômica dos membros da cadeia
de valor.
O
quarto passo para a transformação digital é o desenvolvimento de como um
serviço. Em vez de vender automóveis, eletrodomésticos e etc. as empresas
passam a vender os serviços que são realizados pelos produtos. As pessoas não
querem com maquinas de lavar roupa e secadoras, elas querem roupas limpas. Os
consumidores não querem comprar automóveis, eles querem mobilidade. Existem
milhares de casos onde as pessoas querem os serviços realizados pelos produtos.
Não os produtos.
A
Philips fez a sua lição de casa ao criar o serviço de iluminação como um serviço.
Existe um mercado potencial gigantesco para esta modalidade. É uma grande
solução para shoppings, aeroportos, hospitais, condôminos e etc. não ter que se
preocupar com lâmpadas. As empresas que contratam a Philips para trabalhar o
sistema de iluminação podem focam as suas energias nas suas atividades principais
de negócio e deixar para um especialista a gestão da iluminação.
O
quinto e último passo para a transformação digital é pensar os produtos
ofertados como uma plataforma. O envolvimento da comunidade é de importância
fundamental para o sucesso da empreitada digital. Por exemplo o retorno dos
passageiros do aeroporto sobre as falhas na iluminação permite que a Philips
economize milhões de dólares por ano em ferramentas sofisticadas de monitoração
do ambiente iluminado. Muitos sensores podem ser substituídos pela colaboração
da comunidade que informa onde existe excesso ou falta de iluminação.
Este
ponto exige que a empresa use a sua credibilidade e confiabilidade no
engajamento das pessoas em torno de uma causa. O Massive
Transformative Purpose
(MTP) é a cola que une empresa e comunidade em torno de um objetivo comum. A
Philips trabalha o seu MTP para que todos busquem o objetivo de iluminar
adequadamente o ambiente com o menor custo possível para a natureza.
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