quinta-feira, 21 de julho de 2016

Mais um bloqueio do WhatsApp

Na véspera do início dos jogos olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, o Brasil resolveu bater o seu recorde de bloqueios de um mesmo App. Os motivos alegados pelos juízes são cada vez mais bizarros. Desta vez o bloqueio não durou sequer 24 horas.

Foi afirmado que a operação, com nome "Hashtag" monitorou os suspeitos pela internet, via WhatsApp e Telegram.
Fonte: PF prende grupo que preparava atos de terrorismo na Olimpíada, http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/07/21/pf-prende-grupo-que-preparava-atos-de-terrorismo-diz-agencia.htm, acessado em 21/07/2016.

A juíza que mandou bloquear o WhatsApp justificou a sua ação dizendo que eles não desabilitaram a criptografia do aplicativo para que o fluxo de mensagens fosse enviado em tempo real para os investigadores e as conversas dos suspeitos fossem monitoradas. O artigo “Juíza que mandou bloquear WhatsApp se irritou com resposta em inglês” (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1793201-juiza-que-mandou-bloquear-whatsapp-se-irritou-com-resposta-em-ingles.shtml, acessado em 21/07/2016) afirmou que a juíza ficou irritada com o e-mail resposta da empresa americana WhatsApp escrito na língua pátria dos americanos.

Existem mistérios no caso. O que chama muita atenção é o foco apenas no WhatsApp. Foi afirmado que é comum a interceptação telefônica flagrar um suspeito dizer ao outro para tratarem determinado assunto no WhatsApp (Sem rastreio, WhatsApp 'dá mais força para quem descumpre a lei', diz juíza, http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1793389-liberacao-do-whatsapp-da-mais-forca-para-quem-descumpre-a-lei-diz-juiza.shtml, acessado em 21/07/2016). Será que o crime organizado brasileiro não usa o Skype ou Telegram por exemplo? Será que não estamos diante do dilema da marca WhatsApp que é algo comum no Brasil? (O dilema da marca ocorre quando uma marca é confundida com o produto, ou seja, Gillete virou sinônimo de lamina de barbear, Bombril de palha de aço, Xerox de fotocópia, WhatsApp é sinônimo de programa de comunicação)

Os artigos “Mesmo com criptografia, WhatsApp e Telegram podem ser espiados facilmente” (http://www.tecmundo.com.br/whatsapp/105562-mesmo-criptografia-whatsapp-telegram-espiados-facilmente.htm. Acessado em 21/07/2016) e “Telegram: "Se você não confia na gente, use os chats secretos"” (http://artigos.softonic.com.br/telegram-se-voce-nao-confia-use-chats-secretos, acessado em 21/07/2016) revelam que os dois Apps têm estrutura de segurança semelhantes e nos dois casos existem fragilidades de segurança que podem ser exploradas.

Como a juíza pode afirmar que todas as comunicações futuras dos criminosos ocorrerão através do WhatsApp? É uma conclusão realmente impressionante. Será que o comando vermelho ou PCC ordenaram que só aceitam mensagens trocadas pelo WhatsApp? Será que a juíza sabe que as vulnerabilidades do protocolo Signaling System nº 7 (SS7) permitem que os investigadores clonem o número telefônico alvo?

Existe uma evidente fragilidade na solução proposta pela juíza brasileira para combater o crime. A juíza afirmou que as operadoras de telecomunicações brasileiras cooperam com a justiça nacional e facilitam a interceptação das comunicações. Se isto é verdade então a justiça brasileira pode monitorar o tráfego de dados dos celulares e ela quebrar a criptografia existente no App WhatsApp.

Foi afirmado que o FBI pagou pela ajuda de hackers profissionais para acessar o iPhone utilizado pelo autor do massacre na cidade californiana de San Bernardino (“FBI pagou hackers profissionais para acessar iPhone de autor de massacre”, http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2016/04/12/fbi-pagou-hackers-profissionais-para-acessar-iphone-de-autor-de-massacre.htm, acessado em 21/07/2016). A recusa da Apple de ajudar o governo dos Estados Unidos não gerou bloqueio da Apple. Nas democracias as pendências constitucionais são resolvidas pelo Supremo Tribunal Federal. Só aí é que bloqueios que impactam a vida econômica de milhões de cidadãos são realizados.

No Brasil o atraso impede que a democracia plena faça parte do cotidiano dos brasileiros. Alguns depoimentos de juristas famosos mostram o tamanho do atraso nacional. O WhatsApp não é um serviço oferecido no Brasil. Não existem ofertas ou convites do WhatsApp para que os brasileiros instalem e usem o App. O WhatsApp é um serviço com sede nos Estados Unidos que pode ser acessado por todas as pessoas através de uma conexão de internet.

São os brasileiros que estão indo virtualmente aos Estados Unidos para instalaram e usarem o App. Na Internet existem milhões de serviços digitais que foram desenvolvidos para serem ofertados apenas nos países onde os servidores estão hospedados. No Brasil os internautas têm acesso a todos estes serviços digitais. Isto não significa que estes empreendedores estão oferecendo estes serviços para os brasileiros.

Ter acesso no Brasil a um serviço através da Internet é muito diferente do que ter um serviço ofertado no Brasil. Apenas quando a empresa WhatsApp que não é a empresa Facebook estabelecer uma sede no território brasileiro e oferecer serviços aos brasileiros é que os serviços oferecidos no Brasil pela WhatsApp deverão seguir a lei brasileira. Enquanto a WhatsApp e outros milhões de empresas decidem se vão estabelecer operação empresarial no Brasil a justiça brasileira deve ter clareza no entendimento de que o mero fato de ser possível o acesso a um serviço digital internacional no Brasil isto não significa que este serviço esteja sendo ofertado aos brasileiros e, portanto, que os fornecedores estejam sujeitos as leis brasileiras. Já passou da hora de melhorar o entendimento da diferença que existe entre o acesso a um serviço digital disponível através da Internet e a oferta de um serviço digital no Brasil. Precisamos urgentemente superar o atraso intelectual.

Alguns partidários do atraso intelectual buscam dourar a pílula do impacto do bloqueio do WhatsApp executando uma matemática econômica simplificada. O artigo “Além de tudo, poderia ter custado R$ 206 milhões à economia brasileira” (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2255, acessado em 21/07/2016) é um exemplo clássico da simplificação que gera equívoco. A causa da liberdade de expressão precisa ser sustentada pela retidão dos argumentos. No artigo, foram estimadas as perdas financeiras do bloqueio do WhatsApp. A solução adotada para calcular as perdas é bastante criativa, mas infelizmente é falaciosa.

O WhatsApp foi bloqueado, mas as pessoas tinham à sua disposição várias outras ferramentas de comunicação como o Skype, Telegram, SMS e ligações de voz. Isto significa que as perdas causadas pelo bloqueio do WhatsApp não estão relacionadas com a impossibilidade de comunicação. As perdas estão relacionadas com o custo da troca da ferramenta de comunicação. Por exemplo se a solução de comunicação para o bloqueio do WhatsApp for uma chamada de voz de celular pré-pago, o custo da comunicação sai do praticamente zero do WhatsApp para cerca de R$ 1 do minuto de pré-pago de ligação local.


Vários negócios ficam inviabilizados com esta estrutura de custos e serão encerrados se este for o novo normal dos custos de comunicação. Quando olhamos o tamanho das micros e pequenas empresas no emprego fica claro que se elas forem inviabilizadas pelo bloqueio do WhatsApp o impacto no emprego nacional será gigantesco.  Desemprego em massa em um país em recessão gera perdas de arrecadação e desequilíbrio fiscal. As perdas potenciais podem superar 1% do PIB. É muita coisa para ser decidido isoladamente por um juiz. 

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