terça-feira, 21 de março de 2017

Mais uma crise de confiança no Brasil

Muitas vezes as crianças enfrentam punições coletivas nas escolas quando uma parte dos alunos da classe fez tanta bagunça na sala de aula que o professor ou diretor pune todos da mesma forma, porque não tem informações para individualizar a culpa. Alguns acham que o fenômeno da punição coletiva é consequência da sociedade humana. Não é. A natureza pune coletivamente também. Basta um vizinho sujismundo para que toda rua ou bairro seja atacada pelo mosquito transmissor da dengue por exemplo. Simplesmente não importa o cuidado individual das pessoas nestes casos. É por isto que tais situações são descritas como inteligência coletiva.

No ano de 2016, a Samsung enfrentou uma grave crise com as explosões da bateria do smartphone Galaxy Note 7. A empresa optou por assumir a culpa e retirar o produto do mercado antes que os consumidores perdessem a confiança na marca. Ela amargou um enorme prejuízo com a medida. No entanto, o prejuízo foi muito menor do que seria causado por fingir que não existia um problema grave.

Quando o ministro da agricultura do Brasil optou por fazer declarações públicas no sentido de diminuir a operação da polícia federal conhecida como carne fraca ele imediatamente gerou a reação dos maiores mercados internacionais de paralisar as compras de carnes do Brasil. As declarações do ministro aumentaram as incertezas e reduziram a confiança no Brasil (Blairo vê 'fantasias' e 'idiotice' na operação Carne Fraca, http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,maggi-critica-pf-e-diz-que-insinuar-papelao-misturado-a-carne-e-idiotice,70001706124, acessado em 21/03/2017). A declaração do Blairo Maggi de que as investigações vão tomar outro rumo, gerou um nível de desconfiança tão elevado no mercado que a crise econômica da carne cresceu exponencialmente de tamanho.

A reação negativa do mercado internacional foi imediata e a do mercado nacional ganhou forte impulso. Infelizmente, o governo brasileiro escolheu uma estratégia oposta da Samsung com smartphone Galaxy Note 7 e ampliou as perdas. (China suspende importação de carne brasileira e pede explicações, https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2017/03/20/china-suspende-importacao-de-carne-brasileira-e-pede-explicacoes.htm, acessado em 21/03/2017) e (Países decidem suspender a importação ou a venda de carne do Brasil, https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/03/20/uniao-europeia-barra-importacao-de-carne-das-empresas-investigadas-pela-pf.htm, acessado em 21/03/2017)

O setor de inteligência do governo (espero que ele exista) precisa agir imediatamente em conjunto com as empresas e realizar ações para aumentar a reputação das exportadoras de carne. Uma das ações para aumentar a confiança nos agentes sérios do mercado é a introdução do Distributed ledger technologies (DLTs) ou Blockchain na cadeia produtiva da carne.


A completa rastreabilidade da cadeia produtiva permite identificar com muita facilidade a qualidade dos produtos. É possível saber o que foi utilizado, o que foi executado em cada uma das etapas do processo produtivo, acompanhar os selos de inspeção da qualidade e identificar a atuação de todos os fiscais envolvidos. Ao existir um rodízio de fiscais nas diversas etapas e existir posição de consenso nas aprovações e do controle de qualidade interno é possível oferecer de forma irrefutável um selo de qualidade da carne exportada.


A ação do ministério da agricultura não pode ser em momento algum a diminuição do trabalho da polícia federal. Ela tem que ser na linha de aumentar a confiabilidade da cadeia produtiva. As empresas precisam realizar mais ações para separar quem é sério e honesto e gastar menos com propagandas nos jornais e televisões. Espero que as perdas economias abram os olhos das corporações na direção de que elas precisam usar as tecnologias disponíveis para aumentar a transparência. Só assim vai ficar claro quem trabalha direito e é de confiança. Estes não reclamarão e nem temerão as ações da polícia federal.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Desafios do Big Data no Brasil

Eu venho pesquisando sobre Inteligência Artificial (IA) desde o ano de 1986. São mais de trinta anos de estudos, pesquisas e trabalhos. Naquele tempo, o acesso para as aplicações de IA estavam restritas para um grupo pequeno de pessoas e elas eram bastante limitadas. O livro "Inteligência Artificial Usando Linguagem C" do Herbert Schildt, publicado em 1989, edição em português pela editora McGraw-Hill do Brasil foi um dos primeiros livros que apresentaram aplicações práticas para a inteligência artificial em português.

No capítulo 9 (Parecendo Humano), o Herbert Schildt apresenta os conceitos de uma aplicação famosa na época de diagnóstico médico chamada ELIZA, baseada na psicologia rogeriana que foi criada pelo Joseph Weisenbaum. Com base nos conceitos do ELIZA, o autor desenvolveu o programa Doutor. No livro foram apresentados os códigos em linguagem C das várias versões do aplicativo.

Passados quase trinta anos é fácil perceber que as principais preocupações do Schildt para a inteligência artificial ainda estão presentes no nosso dia-a-dia. É evidente que temos à nossa disposição uma quantidade muito maior de recursos e que as aplicações de IA deixaram de ser restritas e limitadas e passaram a incorporar a rotina de todas as pessoas. Aplicações de diagnóstico médico estão disponíveis via internet, por exemplo.

Uma das faces da inteligência artificial é o Big Data. É uma tecnologia que vem sendo incorporada na operação da maioria das empresas nacionais. São sistemas de compras, vendas, recrutamento de funcionários e pessoas, entre outros que fazem parte da rotina corporativa.

As análises dos dados do Big Data muitas vezes são feitas por algoritmos computadorizados e recebem uma camada de refinamento realizada por analistas humanos. Ainda não veio à tona, mas em breve virá, a questão do impacto do Big Data na sociedade humana.

Pode parecer estranho para muitos, mas o Big Data reflete o que uma sociedade tem de bom e de ruim. Por exemplo, em uma sociedade como a brasileira em que existe preconceito no mercado profissional contra a mulher as análises Big Data dos sistemas de recrutamento vão perpetuar inadvertidamente o atual comportamento de oferecer salário menor para a mulher para o mesmo cargo ocupado por um homem. As análises do Big Data do Comportamento do consumidor em lojas também estão sendo impactadas pelos preconceitos existentes na sociedade brasileira.

Isto ocorre porque a base de dados analisada é distorcida pelos comportamentos atualmente existentes. Em alguns casos estaremos trabalhando com bases distorcidas por causa do preconceito contra um determinado gênero, ou contra uma determinada raça, ou contra o cabelo branco (idade), ou contra uma determinada aparência ou etc. Antes de iniciar uma análise do comportamento pelo Big Data é preciso ajustar as bases de dados para que elas não reflitam os preconceitos existentes na sociedade brasileira.
A nossa sociedade é a campeã mundial dos mais diferentes tipos de preconceitos. O principal é a renda. Uma análise de Big Data que tente prever o comportamento futuro do consumidor que seja baseada em uma base de dados repleta de preconceitos vai gerar previsões que não irão se concretizar. Investimentos grandiosos serão perdidos por conta destas distorções.

A IA não é capaz de corrigir as graves distorções da sociedade brasileira. Aliás ela age no sentido contrário, ou seja, de aprofundar as distorções. Ainda os computadores precisam da inteligência humana para tomarem boas decisões. É preciso olhar a tecnologia Big Data com olhos no que está sendo coletado para evitar a perda de bilhões de reais no futuro.