O Brasil vem apresentando desde a primeira
década do século XXI graves problemas no entendimento do real significado dos
serviços de Tecnologia de Informações e Comunicações (TIC). Estas dificuldades
foram agravadas com a era dos aplicativos. Para alguns, o país ainda vive a era
dos advogados. O caso descrito no artigo “Justiça suspende Uber no Brasil e
exige bloqueio de app em celulares” (http://idgnow.com.br/mobilidade/2015/04/29/justica-suspende-uber-no-brasil-e-exige-bloqueio-de-app-por-apple-e-google/, acessado em 05/05/2015) revela a intensidade do
problema.
O artigo
afirmou que o juiz Roberto Luiz Corcioli Filho da 12a Vara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo determinou na terça-feira dia 28 de abril de
2015 a suspensão do aplicativo de transportes Uber no Brasil e ordenou que as
empresas Google, Apple, Microsoft e Samsung retirem o aplicativo das suas lojas
em tempo real de apps e impossibilitem remotamente a utilização do aplicativo
Uber pelos usuários que já instalaram o app.
A minha primeira pergunta sobre a
determinação é: “O que seria a suspenção remota pelas empresas Google, Apple,
Microsoft e Samsung do aplicativo de transportes Uber no Brasil?”. Se a
“suspenção remota” implicar em alterar as configurações ou os programas do
aparelho do usuário sem a sua autorização e conhecimento isto significa que
existirá uma invasão. Da mesma forma que no mundo real invadir uma propriedade
privada é crime, no mundo virtual também é. Invadir e promover alterações no
aparelho do usuário como suspender remotamente a execução de um aplicativo é
equivalente ao crime de vandalismo do mundo real. Será que existe entendimento
disto pelo juiz?
A minha segunda pergunta sobre a liminar é:
“As empresas Google, Apple, Microsoft e Samsung tem recursos técnicos para
suspender remotamente sem conhecimento e autorização do usuário um aplicativo
comprado nas suas lojas virtuais?”. Se a resposta for positiva, então o pilar
privacidade do Marco Civil de Internet do Brasil é uma peça de ficção
(Atualmente um celular armazena informações sobre a saúde dos usuários, senhas,
documentos pessoais e empresariais, fotos e etc. O que impede que as empresas Google,
Apple, Microsoft e Samsung capturarem ouras informações privadas, corporativas
e pessoais nos celulares? Qual garantia de privacidade os usuários tem?) Se a
resposta for negativa, então qual o sentido da determinação. Será que o juiz
Roberto Luiz Corcioli Filho tem conhecimento destas implicações?
A minha terceira pergunta é bastante
singular: “No endereço http://www.amazon.com/Uber-com-Uber/dp/B00NF3UFSG, acessado em 06/05/2015 eu encontrei o aplicativo de
transportes Uber na loja em tempo real de apps da Amazon. No entanto, o juiz Corcioli
não determinou a suspenção remota do aplicativo pela empresa Amazon. Será que o
juiz e advogado do Sindicato dos Taxistas de SP sabem que existem outras lojas
virtuais de aplicativos além das empresas Google, Apple, Microsoft e Samsung?”
Se a resposta for positiva, porque endereçaram na liminar apenas quatro
empresas. Se for negativa, qual efetividade eles esperam de ações assim. Será
que eles imaginam que a empresa Google é capaz de suspender remotamente um
aplicativo instalado através da loja virtual da Amazon?
A quarta pergunta consegue ser mais singular
que a terceira. A Uber é uma empresa de tecnologia que conecta as pessoas com
os motoristas. Em outras palavras, a empresa exerce o papel de um carteiro que
entrega mensagens. Se o juiz entende que existem ilegalidades, então elas são
cometidas pelos motoristas. A pergunta que não quer calar é: Porque o juiz não
suspendeu as atividades dos motoristas? Ele poderia exigir da Uber a lista dos
motoristas cadastrados e suspender as atividades de motorista de cada um deles.
Por incrível que possa parecer quinta e
última pergunta supera em estranheza todas as outras. Os aplicativos instalados
nos celulares acessam os servidores da Uber. Para suspender os serviços desta
empresa no Brasil, basta que a rede nacional não roteie os pacotes os
servidores. A minha última pergunta sobre este caso é: Porque o juiz não
relacionou no seu despacho que as empresas provedoras de internet no Brasil
bloqueiem o endereço IP dos servidores da Uber? Não seria uma medida menos
intrusiva do que exigir a suspenção remota do aplicativo nos celulares dos
usuários? Não seria uma medida mais direta e melhor direcionada? Será que o
juiz e advogado do sindicato tem conhecimento que existem ações mais efetivas
para a suspenção do aplicativo?
Resumo
No Brasil da era dos advogados é comum exigir do carteiro
que apenas entrega as cartas a responsabilização pelo seu conteúdo. Existem
diversos processos que caminham nesta linha onde o alvo são empresas como Google,
Apple, Microsoft, Samsung e etc. O país precisa urgentemente aprender que o
autor da mensagem é o real e único responsável pelo seu conteúdo. Se existem
falhas no caso da Uber, as mesmas são da responsabilidade dos motoristas. Não é
razoável punir a empresa de tecnologia ou os usuários.
O caso Uber é muito semelhante ao WhatsApp no Brasil (“Juiz
do Piauí determina suspensão do aplicativo WhatsApp no Brasil”, http://idgnow.com.br/internet/2015/02/25/juiz-do-piaui-determina-suspensao-do-aplicativo-whatsapp-no-brasil/, acessado em 06/05/20115 e “Desembargador derruba
decisão de juiz que queria suspender WhatsApp no país”, http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/02/26/desembargador-derruba-decisao-de-juiz-que-queria-suspender-whatsapp-no-pais.htm, acessado em 06/05/2015).
A decisão do bloqueio durou nos dois casos algumas poucas
dias. Também no caso Uber existiu a revogação das medidas contra a empresa. O
artigo “Justiça de São Paulo extingue ação de taxistas contra aplicativo Uber”
publicado em 04/05/2015 (http://tecnologia.uol.com.br/noticias/reuters/2015/05/04/justica-de-sao-paulo-extingue-acao-de-taxistas-contra-aplicativo-uber.htm, acessado em 06/05/2015) revelou que a liminar foi
revogada em menos de uma semana, pois a Justiça de São Paulo extinguiu na segunda-feira
dia 04/05/2015 a ação dos taxistas. Considerando o excesso de trabalho e de ações em
curso no judiciário seria interessante que a era dos advogados entenda melhor a
era dos aplicativos para aumentar a efetividade do poder judiciário nacional.
É claro que foge do escopo desta postagem criticar as
decisões do poder judiciário. O objetivo é mostrar que o mundo atravessa por um
novo momento econômico que está sendo definido pelo software. No meu ponto de
vista, a maior explicitação que estamos vivendo à pleno vapor a era dos
aplicativos é o artigo “Novo aplicativo permite que usuários façam panelaço com
smartphone” (http://idgnow.com.br/internet/2015/05/06/novo-aplicativo-permite-que-usuarios-facam-panelaco-com-smartphone/, acessado em 06/05/2015). No domingo, dia Internacional
da Mulher, 8 de março de 2015, os brasileiros bateram panelas durante o
pronunciamento da presidente Dilma Rousseff para explicitar o seu descontentamento
com o governo dela.
No programa do PT veiculado em rede de nacional de televisão
na noite da terça-feira dia 5 de maio de 2015 já existiam pessoas utilizando
aplicativos como o iPanelaço (Novo aplicativo permite que usuários façam
panelaço com smartphone, http://idgnow.com.br/internet/2015/05/06/novo-aplicativo-permite-que-usuarios-facam-panelaco-com-smartphone/, acessado em 06/05/2015) para expressar o seu
descontentamento com o governo do PT. Em menos de 60 dias foram desenvolvidos e
publicados nas lojas virtuais de aplicativos vários aplicativos como “Kit
Panelaço" (10 de março), “Panelaço" (18 de março), "Panelaço
App" (6 de abril), "Panelaço & Vuvuzela" (10 de abril) e "Panelaço
Brasil" (5 de maio) para que a população manifeste a sua insatisfação sem
estragar as suas panelas.
Todos os que um dia já se aventuraram nos projetos de desenvolvimento
de software sabem que o tempo entre identificar uma oportunidade de negócio e
entregar uma aplicação funcionando é no melhor caso de 90 dias. Na era dos
aplicativos este prazo caiu drasticamente, após a identificação de uma
oportunidade de negócio em 08/03/2015, o desenvolvedor publicou em 10/03/2015 o
aplicativo “Kit Panelaço". O prazo é de impressionantes dois dias. A era
dos aplicativos está neste crescimento espetacular por causa dos seus prazos
extremamente reduzidos. O reduzido indicador “time to market” resultante da
filosofia do negócio definido pelo software é sem sombra de dúvida a essência da
era das aplicações.